sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Algumas reflexões: corpo/ padrões/ territórios/ cartografias

Fotografia: Cacá Fonseca
Marila [experimentações em Purmamarca]

O que sinto de estranhamento deste território passa pelas sensações percebidas pelo meu corpo. Permanecer neste estranhamento, neste território pode me revelar em que medida me desterritorializo nesta vivência. Em que medida, o corpo imerso neste processo de criação em dança se desterritorializa? Acumula outras intensidades, qualidades, velocidades, temperaturas, etc?

[Acumulação, na concepção de Trisha Brown. Acumulação diferencia-se da idéia de “depósito”. A informação nova “acumulada” já altera a anterior. Não é uma acumulação do movimento em si mesmo. Cada movimento novo já altera o anterior. anotações da Gaia – aula da Helena Katz - estética urbana].

No corpo se desestabilizam os padrões constituídos por nossa vivência cotidiana, vivência esta que diz respeito ao território que constituímos, que organizamos e pelo qual somos organizados? Transitar ente territórios agencia quais possibilidades de criação no corpo? Toma-se, nesta reflexão que ato criativo é ato perceptivo e ato perceptivo é desencadeado pelos territórios com o qual nos enfrentamos.

Toma-se padrões como os atos que acionamos para responder às situações cotidianas, ordinárias, mas também atos acionados nas experimentações no campo das artes, entre elas a dança. No caso da dança [nosso campo de experimentação teórica/ artística] os padrões conformam-se por diversas variáveis, a formação técnica, a experiência pessoal de cada um, a afetividade suscitada nesta relação, as possibilidades físicas/ sensórias de cada corpo.

O processo pelo qual esta repetição se efetiva compreende aquilo que Deleuze denomina de repetição na diferença, repetição inscrita numa conjuntura que varia ao infinito. Cada vez que pisamos, por exemplo, nos deparamos com uma situação espacial, temporal, íntima, que diz respeito às minhas sensações naquele momento, se estou atrasado, de férias, com o pé machucado, etc, que terá repercussões no meu padrão de pisar mecanicamente formalizado.

Território e padrões corporais equacionam-se nesta investigação, donde o território inscreve-se no corpo e o corpo inscreve-se no território, uma espécie de cartografia recíproca. Para pensar a cidade, Paola Berenstein Jacques reflete acerca da articulação entre corpo e espaço urbano a partir do conceito de corpografias urbanas, que aciona esta idéia de cartografia recíproca, corpo e cidade enquanto instâncias imbricadas, um impregna o outro na suas possibilidades de organização.

O tempo engendra as nuances daquilo que pode ser cartografado no corpo ou no território, para que alguns fluxos de um território se inscreva no corpo é preciso que ambos permaneçam em contato, não se trata de uma simples observação, mas de um processo de desterritorialização - reterritorialização, donde os padrões corporais formalizados expandem-se, sobre estes se acumulam as emergências desta nova relação corpo – território. Não se trata de uma análise estritamente física, numa espécie de determinismo espacial- corporal, na medida em que território não significa somente a dimensão físico- geográfica de um espaço [sobre noção de território ver adiante ‘Todo território compreende uma multiplicidade’].
::Por Cacá Fonseca::

Um comentário:

gigio disse...

de verdade de verdade me deleito ao ler todas estas reflexões. É poesia pura. É rico re-ordenar as coordenas feitas pelo corpo pelas corruptelas das vias urbanas. Este ato de ler o corpo sob essas óticas reflexivas instauradas neste "entreterritórios" têm me alertados mais e mais para a poética do corpo. Os vais e os vens compõe em minha retina exatamente esse tipo de "engendramento de novas nuances" no sibilar da minha percepção. À corpografia urbana adiciono o meu pasmar diante de avenidas movimentadíssimas de Buenos Aires, Milão, Paris e Roma. Aquilo tudo que vi, hoje, depois de ler estas reflexões, parecem enfim compor uma outra sinfonia em minha geografia, reabilitando novas condiçoes para o meu olhar.