sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O ENTRE: como ele se efetiva?

O entre acontece quando o trânsito se efetiva, quando as imagens, as sensações, as criações suscitadas na vivência de um território se incorpora na vivência do outro.

A errância, este transitar ‘entre’ à espreita dos acontecimentos gerados pela organização de cada território provoca um estado de corpo, acúmulo de sensações, de desconforto tanto físico, quanto afetivo. A temperatura, a altitude, o sono, a comida, a irradiação do sol, a umidade, a excitação, a receptividade ou rejeição das pessoas, a comunicação que estabelecemos com estas, como nos olham e como as olhamos, as expectativas quanto a este território, nossa breve intenção de controlá-lo e trazê-lo para dentro do processo como uma dimensão mais estabilizada, as lembranças despertadas por este contato, as lembranças criadas nesta vivência, enfim uma série de variáveis que revelam o estranhamento percebido entre corpo e território, pelo estado que nosso corpo vai assumindo tanto no momento específico da criação em dança, como no decorrer de todo o processo.
::Por Cacá Fonseca::

Fotografia: Amabilis de Jesus
Salinas Grandes

Fotografia: Amabilis de Jesus
Marila – 1º dia de experimentação

Movimento#1.11:::: subida até os 4.000 metros de altitude da Rota n.9 no percurso até Salinas Grandes

As restrições foram insistentemente colocadas por amigos, atrás da porta nas cabanas onde nos hospedamos, nos sites de montanhismo pesquisados por Amabilis: muito repouso, pouco esforço físico, muito chá de coca e água. Tratava-se de um território completamente desconhecido e, portanto, desconhecíamos também as implicações de tantas diferenças no nosso corpo. Mas só nos demos conta da potência daquelas condições no corpo quando um de nós sentiu os primeiros desconfortos. Ainda no primeiro dia, após a subida até Salinas Grandes, voltei pra cabana, uma dor de cabeça quase inofensiva me colocou de repouso. Em poucas horas, a noite do grupo se transformou numa aflição generalizada. Eu não podia dormir, fechar o olho, uma pressão arrebatadora dentro da cabeça, me fazia sentir vontade de chorar, puxar o cabelo, uma espécie de loucura, de desespero, rezei, chorei, vomitei, Amabilis e Marila vieram, se aproximaram me apertaram, massagearam e depois de um tempo que não sei quantificar, mas posso precisar que depois de tomar muito chá de coca e alguns comprimidos de tilenol consegui dormi. Agora, escrevendo e lembrando das discussões com Marila, reconheço essa sensação de um quase morrer. Nessa aflição, algumas sensações, sentimentos, investimentos desestabilizaram-se completamente, algumas expectativas e ansiedades quanto ao projeto esvaziaram-se, para dar lugar a certa tranqüilidade, a certa resignação diante deste território e seus imperativos, uma espécie de tomada de consciência acerca da nossa impossibilidade de controlar o processo em que estávamos envolvidos.
::Por Cacá Fonseca::

Nenhum comentário: